Escrito
por Marcelo Pompêo
Terça,
27 de Janeiro de 2015
Desde o
final de 2013, a população paulistana tomou ciência da restrição
hídrica que se aproximava, decorrente da falta de chuvas e
dos baixos
níveis de água nos reservatórios empregados no abastecimento
público.
Já em 2014,
assistimos atônitos aos recordes e mais recordes de baixos
níveis de água nos
reservatórios. Agora, no início de 2015, essa situação
segue pior ainda,
com perspectivas sombrias para o restante do ano.
Mas são inúmeras as cidades do interior
de São Paulo atingidas pela falta
de água, inclusive em outros estados.
No presente, a falta de água não
é mais gritante, pois na cidade de São Paulo
os cidadãos dão sua cota de
colaboração, reduzindo o consumo como podem. Do
contrário, o poço
já teria secado.
Esta grave crise serviu para mostrar que a lição de casa não foi feita
e,
seja para o município, para
o estado ou mesmo para a União, muita
coisa tem que mudar a partir deste triste
cenário. Ficou claríssimo para
quem quer ver que nossas leis e a gestão
das águas não são satisfatórias
e a condução política não preserva o cidadão e o meio ambiente, ao
menos na
oferta do serviço público, como da água tratada de qualidade
e na quantidade
adequadas.
Nestes últimos 20 anos, o Estado não planejou e se preparou
adequadamente
e o cidadão será penalizado por não ter água
necessária aos seus usos
históricos e culturais. É novamente penalizado
por ter que pagar a
conta, através de multas e/ou elevação de tarifas e,
eventualmente, será mais
penalizado ainda por ter seu consumo medido
pela média de 2014 (medida em
estudo pelo governo estadual). Uma média,
sem dúvida, fora do padrão histórico
de consumo de cada família, já que
foi em 2014 que o cidadão ativo reduziu o
consumo. E, por fim, o cidadão
é o maior penalizado, pois caberá a ele a maior
parcela de contribuição,
seja financeira ou de restrição hídrica.
Entre outros prejuízos, soma-se a menor quantidade de água para a
indústria
e agricultura,
que sem dúvida impactará o emprego, renda e os preços,
principalmente dos produtos originados do setor agrícola. Na
questão da
gestão das águas, chegamos ao fundo do poço. Se ficou alguma coisa
de
bom, é que a população sabe fazer a sua parte.
Um país com cerca de 12% da água doce superficial do mundo, apesar de
não tão bem distribuída pelo território nacional, não pode desconsiderar
planejamento no curto, médio e longo prazos. Ainda mais tendo nosso país
sólida
tradição de pesquisas nas áreas de hidrologia, hidráulica, recursos
hídricos
(aspectos qualitativo e quantitativo), ecologia, limnologia,
saneamento,
legislação ambiental, por exemplo, com excelentes
universidades, centros
e grupos de pesquisas, além de recurso financeiro
suficiente, como uma das
maiores economias do mundo.
Portanto, não necessitamos importar
especialistas para nos dizer como
fazer, mas trocar experiências é sempre
importante. Nossos técnicos são
bem formados e sabem fazer, quando a eles é
passada a tarefa. Daí concluir
que o modo de gerir a questão das águas no Brasil não está baseado
primeiramente em
premissas científicas, na pesquisa estruturada,
na
consulta ao corpo
técnico, ou mesmo em questões de sustentabilidade
e meio ambiente, mas, sim, deixa transparecer que
são decisões
meramente
políticas.
Mas não transparecem ser decisões políticas como parte de
um claro
plano de governo, aberto, transparente, escrito e em diálogo com a
sociedade.
Neste momento de crise, o que compreendemos das
declarações de muitos técnicos
do setor, especialistas, gestores e
políticos ligados ao tema, divulgadas pelos
diversos meios de
comunicações, deixa claro que são sempre decisões tomadas de
última hora, pontuais e emergenciais, torcendo
para Deus ser
brasileiro, esperando
por São Pedro fazer o seu serviço ou culpando
a natureza, mesmo quando
“trabalhamos sem parar” (1). São
apresentadas soluções imediatistas tal
como puxadinhos, remendos,
colcha de retalhos ou
tapa buracos, como a retirada
de um primeiro
volume morto, depois de um segundo, seguindo para um terceiro e
derradeiro volume morto (se necessário), seja de um reservatório
e depois de
outro e mais outro, torcendo pelas chuvas, que
chegaram, mas de pequena
intensidade.
Se não der certo, e não chover, o
reservatório da vez será a Billings.
Há também de se manter o rio
Pinheiros com águas altas e as
comportas fechadas, no Cebolão, junto ao rio Tietê, para reverter
suas águas ao reservatório Billings, mas também para gerar
hidroeletricidade em
Henry Boarden, na Baixada Santista, quem sabe
contribuindo para evitar outro
apaguinho/blecaute. De outro rio
retira-se mais 0,5 m3/s. Outra
ideia é interligar os mananciais,
para
retirar água de dado reservatório na medida da necessidade, enquanto
se
reduz em outro. E como recentemente declarou o secretário de
Saneamento e
Recursos Hídricos, o Prof. Dr. Benedito Braga, em seis
meses não é possível
fazer obras da envergadura adequada ao problema.
Durante 2014, nosso governador, pessoalmente, sempre reforçou que
não
teríamos problemas, pois as chuvas logo estariam aí e tudo se
resolveria. As chuvas ainda não chegaram, ao menos onde deveriam.
Há planos de retirar águas do
rio Ribeira de Iguape e autorização para
captar água do Paraíba do Sul.
Outra opção, na gestão da crise do
abastecimento público, é reduzir a pressão
na rede de abastecimento,
ou mesmo cortar de vez o abastecimento, com rodízio entre setores
da cidade,
que podem ter água em certos dias e horários da semana,
como forma de reduzir o
volume de água ofertada e refletir na
redução do consumo.
Correm
no meio da cidade importantes rios como o Tietê, Pinheiros
e Tamanduateí,
por exemplo, esgotos a céu aberto, não sendo
possível empregar suas águas nem
mesmo para a rega de parques e
jardins, quanto mais para o consumo humano. Não há efetiva e
substancial captação de água de
chuva para emprego no
abastecimento púbico. Há praticamente 30% de fuga da água limpa
que
percorre as tubulações até chegar em nossas casas. Isso sem
falar da
descaracterização total do ecossistema reservatório, com
as comunidades
biológicas constituintes mortas ou substituídas,
decorrente da quase seca total
do reservatório, como se de fato o
reservatório fosse unicamente uma caixa de
água, não mais um
estabelecido ecossistema, com estrutura, função e dinâmica
próprias,
e prestando inúmeros e importantes serviços ecossistêmicos.
E nem mesmo há reconhecimento oficial formal
de que estamos
em período de forte restrição hídrica e de racionamento. Isso
tudo
é a política de Estado para a gestão dos recursos hídricos para
abastecimento público em São Paulo? Esse é o plano de governo
para a gestão das
águas no estado? Vale
lembrar que somente a
Região Metropolitana de São Paulo é composta de quase 20 milhões
de habitantes
e qualquer coisa para atender a demanda desse
universo de pessoas não pode ser realizada sem
planejamento
adequado.
Segundo Brasil (2003) (2), os
sistemas de abastecimento de
água devem ser dimensionados para atender às
necessidades de
água da região beneficiada. Ainda, segundo esse mesmo
documento,
é importante que as projeções das necessidades e as disponibilidades
dos recursos hídricos, em função do aquecimento da economia e
do crescimento
demográfico, sejam calculadas com antecipação.
Os sistemas devem ser planejados,
arquitetados e construídos,
para funcionarem durante muito tempo sem riscos de
deterioração.
Apesar disso, as atividades de monitoramento do sistema, buscando
detectar, no mais curto espaço de tempo, possíveis problemas ou
defeitos, são
de importância capital, para garantir a retroalimentação
sistêmica, relacionada
com as atividades de manutenção. Estas são
as premissas do plano de governo que
vivenciamos em São Paulo?
Sendo urgente despender esforços para
equacionar questões relativas
à manutenção da qualidade e quantidade da água
nos mananciais e
visando minimizar os problemas relacionados ao abastecimento público
e esgotamento sanitário nos
grandes centros urbanos e garantir
mananciais mais saudáveis para gerações
futuras, são propostas
(3):
a) nenhuma entidade federal, estadual,
municipal ou privada poderá
captar qualquer quantidade de água bruta sem a
aprovação prévia
dos órgãos competentes;
b) toda entidade federal, estadual,
municipal ou privada terá o
prazo máximo de cinco anos para regularizar e
cadastrar seu sistema
de captação de água bruta em operação, atendendo normas
estabelecidas pelas diferentes esferas de governo; no caso de
descumprimento, ficará
definida multa diária;
c) definir em lei a quantidade máxima
de água bruta que poderá
ser captada, com base na quantidade – vazão e carga
retiradas,
levando em consideração a vazão e carga do manancial (rio) e a
recarga de lagos e reservatórios, discriminando responsabilidades
e sanções
quando do seu descumprimento;
d) o não cumprimento das normativas
apresentadas nos itens
anteriores implicará em não ter analisadas novas
solicitações de
captação, até a regularização da atual situação;
e) a obrigatoriedade definida em lei
que, para cada metro cúbico
de água potável ofertada à população, seja definido
em projeto a
respectiva coleta e tratamento da água servida. A oferta de água
potável e coleta e tratamento do esgoto gerado devem ser entendidos
como um
sistema único, integrados e indissociáveis, implicando que
sejam considerados
conjuntamente no planejamento, implantação
e solicitação de recursos, com pena
de não ter aprovada a proposta
de captação de água bruta;
f) definir em lei o limite máximo de 10% para a fuga
de água,
implicando em multas e sanções quando do seu não cumprimento;
para
tanto será obrigatória a implantação de sólido programa de monitoramento
de perdas e controle da água ofertada;
g) a obrigatoriedade definida em lei
para que, no prazo máximo
de dez anos, todo esgoto
gerado seja efetivamente coletado e tratado
(descarte zero), definindo
severas sanções às diferentes esferas de
governo e seus dirigentes quando da
não observância da lei;
h) empreendimentos já instalados têm o
prazo de dez anos para se
integrarem à rede coletora de esgotos; após esse
prazo, serão
integrados compulsoriamente, arcando com os custos de instalação,
somados às despesas de multas e custos processuais;
i) definir em lei que novos
empreendimentos somente serão
aprovados para uso após serem definitivamente
integrados à rede
coletora de esgoto;
j) definir em lei prazos
para a instalação de sistemas de tratamento
e descarte de lodo, proveniente das
estações de tratamento de água
para o abastecimento público (ETAs) e das
estações de tratamento de
esgotos (ETEs), com definições de responsabilidades,
sanções e multas
quando do seu não cumprimento;
k) definir em lei que novos
empreendimentos (condomínios, museus,
clubes, estádios, escolas, shopping
centers, parques temáticos,
indústrias, hospitais, hotéis, motéis,
restaurantes, casas de espetáculos
e de exposições e outros estabelecimentos
comerciais e
empreendimentos de grande porte público e privado, com base na
área física instalada e no número de pessoas atendidas) implantem
sistema de
reuso de água, com prazos de instalação e projetos
aprovados por órgãos
competentes;
l) definir que estes mesmos
empreendimentos também implantem
sistema de captação de água de chuva, com
prazos de instalação e
projetos aprovados por órgãos competentes;
m)
definir em lei o prazo de dez anos para que empreendimentos
já instalados (ver
item k) implantem sistema de captação de água de
chuva, com prazos de instalação
e projetos aprovados por órgãos
competentes;
n) cobrar de modo diferenciado e
escalonado, segundo o consumo
de água: quanto mais consome, mais paga,
garantindo uma tarifa
social mínima de ao menos 110 litros/habitante/dia;
o) instalar medidores de consumo de
água individuais – uma casa,
um medidor de consumo;
p) empreender esforços visando ampliar o
controle e a vigilância
da qualidade da água pelos órgãos responsáveis pelo
abastecimento
e por órgãos de saúde pública, da água bruta à torneira para o
consumidor final;
q) empreender esforços em todos os
níveis, com campanhas
educacionais sobre a importância da água, seu uso
racional, a
preservação de sua qualidade e quantidade;
r) empreender esforços em
campanhas educacionais relacionadas
à saúde pública, reforçando a importância
de hábitos simples,
como lavar as mãos com sabão após usar o banheiro e antes
das
refeições;
s) estabelecer que estado e
prefeitura obrigatoriamente
implantem secretaria de meio ambiente e de
saneamento;
e municipais), de meio
ambiente e de saneamento, deva manter
site atualizado, com as ações
empreendidas e metas para o sistema
de abastecimento de água e
esgotamento sanitário.
A intervenção divina não nos trará a água
desejada e necessária.
Caberá ao homem planejar e vislumbrar cenários futuros,
corrigindo distorções no curso dos acontecimentos.
Notas:
(1) - Declaração do Governador Geraldo Alkmin,
Folha de São Paulo,
de 25 de Janeiro de 2015. Caderno Cotidiano.
(2) - BRASIL, Ministério da
Integração Nacional. (MI). Secretaria
Nacional de Defesa Civil. (SEDEC), Manual
de desastres humanos:
desastres humanos de natureza tecnológica – v. 2. – I
parte /
Ministério da Integração Nacional. Secretaria Nacional de Defesa
Civil.
– Brasília: MI, 452p, 2003.
(3) - Marcelo Pompêo & Viviane Moschini-Carlos,
O abastecimento
de água e o esgotamento sanitário: propostas para minimizar
os problemas no Brasil, In: André Henrique Rosa, Leonardo Fernandes
Fraceto, Viviane Moschini - Carlos, Meio Ambiente e
Sustentabilidade,
Porto Alegre: Bookman Companhia Editora Ltda., 2012.
Marcelo Pompêo é professor do departamento de
Ecologia da USP.
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