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“O faminto nos pede dignidade, não esmola”, afirma Francisco na FAO

Sexta, 21 de novembro de 2014
O Papa na Conferência da FAO. Com um discurso profético, no qual disse, entre outras
 coisas, que “os famintos nos pedem dignidade, não esmola”. Convidou ao mundo 
para cuidar “da irmã e mãe terra” e não deixar que se elimine do dicionário a palavra 
solidariedade.



A reportagem é de José Manuel Vidal, publicada por Religión Digital, 20-11-2014. 
A tradução é do Cepat.
Após a intervenção da Rainha Letizia, que reivindicou “que qualquer ser humano, 
em qualquer lugar do mundo, tenha uma vida melhor e mais saudável”, entrou o 
Papa Francisco, com os aplausos de todos os presentes.
Depois, interveio o diretor geral da FAO, doutor Graziano, que se dirigiu ao Papa 
em espanhol. “Sua presença conosco hoje é uma forma de fazer história”.
“A fome continua atingindo 800 milhões de pessoas e não podemos ser
 indiferentes diante disso”.
Pediu a “erradicação da fome e da miséria. A miséria não é um 
destino e a fome é evitável”.
Algumas frases do discurso do Papa
“Com sentimento de respeito e apreço, apresento-me hoje aqui”;
“Agradeço-lhe a calorosa acolhida”;
“Garantir a nutrição”;
“A Igreja sempre procura estar atenta e solícita em relação a tudo o que 
se refere ao bem-estar das pessoas, primeiramente das que vivem 
marginalizadas e excluídas, para que sua segurança e dignidade 
sejam garantidas”;
“Os destinos de cada nação estão mais do que nunca entrelaçados”;
“As relações entre as nações estão demasiadas danificadas pela suspeita 
recíproca, que às vezes se converte em formas de agressão bélica 
e econômica”;
“Conhece bem esta realidade quem carece do pão cotidiano e de um
 trabalho decente”;
“O direito à alimentação só será garantido se nos preocuparmos com 
as pessoas que sofrem os efeitos da fome”;
“Hoje em dia se fala muito em direitos, esquecendo com frequência 
os deveres”;
Preocupamo-nos muito pouco com os que passam fome”;
“A luta contra a fome e a desnutrição é dificultada pela preeminência da 
ganância, que reduziram os alimentos a uma mercadoria qualquer, 
sujeita à especulação”;
“O faminto está aí, na esquina da rua, e pede um documento de identidade.
Pede-nos dignidade, não esmola” (aplausos);
“Pessoas e povos exigem que a justiça seja colocada em prática; não apenas
 a justiça legal, mas também a distributiva”;
“A primeira preocupação deve ser a própria pessoa, aquelas que carecem de
 alimento cotidiano e lutam apenas pela sobrevivência;
João Paulo II, na inauguração desta sala na Primeira Conferência, alertou a 
comunidade internacional para o risco do paradoxo da abundância e o desperdício
 está diante dos nossos olhos”;
“Este paradoxo continua sendo atual”;
“O segundo desafio é a falta de solidariedade. Uma palavra que temos a suspeita
 de que inconscientemente a queremos tirar do dicionário”;
Crescente individualismo e divisão”;
“Quando falta a solidariedade em um país, todos ressentem”;
“Aos Estados é pedido que se ajudem uns aos outros”;
“A lei natural é uma fonte inesgotável de inspiração: amor, justiça, paz, elementos
 inseparáveis entre si”;
“Deste modo, o objetivo de nutrir a família humana se torna factível”;
“A Igreja procura oferecer também neste campo sua contribuição, através de uma
 atenção constante à vida dos pobres em todos os lugares do planeta”;
“Direito a uma existência digna”;
“Partilhar a riqueza econômica do mundo”;
“Nenhuma forma de pressão política ou econômica pode ser aceitável”;
“Penso em nossa irmã e mãe terra. Somos livres de pressões políticas e econômicas para cuidar dela, para evitar que se autodestrua?”

“Cuidar do planeta”;
“Recordo a frase de um ancião. Deus sempre perdoa; os homens, às vezes; 
a terra não perdoa nunca”;
“Cuidar da irmã terra, a mãe terra”;
“Peço ao Todo Poderoso que abençoe a todos”;
Eis o discurso do Papa na íntegra.
Visita do Papa Francisco à sede da FAO, em Roma, por ocasião da Segunda
 Conferência Internacional sobre Nutrição
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores,
Com sentimento de respeito e apreço, apresento-me hoje aqui, na Segunda 
Conferência Internacional sobre Nutrição. Agradeço-lhe, senhor Presidente
a calorosa acolhida e as palavras de boas-vindas que me dirigiu. Saúdo cordialmente 
o Diretor-Geral da FAO, o Prof. José Graziano da Silva, e a Diretora-Geral da OMS
a Dra. Margaret Chan, e alegra-me a sua decisão de reunir nesta Conferência 
representantes de Estados, instituições internacionais, organizações da sociedade
 civil, do mundo da agricultura e do setor privado, com a finalidade de estudar juntos 
as formas de intervenção para garantir a nutrição, assim como as mudanças necessárias
 que devem ser acrescentadas às estratégias atuais. A total unidade de propósitos 
e de obras, mas, sobretudo, o espírito de fraternidade, podem ser decisivos para 
soluções adequadas. A Igreja, como vocês sabem, sempre procura estar atenta e 
solícita em relação a tudo o que se refere ao bem-estar espiritual e material das
 pessoas, primeiramente das que vivem marginalizadas e estão excluídas, para
 que sua segurança e dignidade sejam garantidas.
1. Os destinos de cada nação estão mais do que nunca entrelaçados entre si, como
 os membros de uma mesma família, que dependem uns dos outros. Porém, vivemos
 numa época em que as relações entre as nações estão demasiadas danificadas
 pela suspeita recíproca, que às vezes se converte em formas de agressão bélica 
e econômica, mina a amizade entre irmãos e rechaça ou descarta quem já está
 excluído. Conhece bem esta realidade quem carece do pão cotidiano e de um 
trabalho decente. Esta é a situação do mundo, em que é preciso reconhecer os
 limites de visões baseadas na soberania de cada um dos Estados, entendida como 
absoluta, e nos interesses nacionais, condicionados frequentemente por poucos grupos
 de poder. Isso está bem explicitado na leitura da agenda de trabalho dos senhores, 
para elaborar novas normas e maiores compromissos para alimentar o mundo. 
Nesta perspectiva, espero que, na formulação desses compromissos, os Estados 
se inspirem na convicção de que o direito à alimentação só será garantido se nos
 preocuparmos com o sujeito real, ou seja, com a pessoa que sofre os efeitos da
 fome e da desnutrição.
Hoje em dia se fala muito em direitos, esquecendo com frequência os deveres; talvez 
nos preocupemos muito pouco com os que passam fome. Além disso, dói constatar 
que a luta contra a fome e a desnutrição é dificultada pela «prioridade do mercado» e 
pela «preeminência da ganância», que reduziram os alimentos a uma mercadoria qualquer, 
sujeita à especulação, inclusive financeira. E enquanto se fala de novos direitos, o 
faminto está aí, na esquina da rua, e pede um documento de identidade, ser considerado
 em sua condição, receber uma alimentação de base saudável. Pede-nos dignidade, 
não esmola.
2. Estes critérios não podem permanecer no limbo da teoria. Pessoas e povos exigem 
que a justiça seja colocada em prática; não apenas a justiça legal, mas também a 
contributiva e a distributiva. Por isso, os planos de desenvolvimento e de trabalho das
 organizações internacionais deveriam levar em consideração o desejo, tão comum 
em meio às pessoas comuns, de ver que se respeitam em todas as circunstâncias, 
os direitos fundamentais da pessoa humana e, no nosso caso, da pessoa faminta. 
Quando isso acontecer, as intervenções humanitárias, as operações urgentes de 
ajuda ou de desenvolvimento – verdadeiro e integral – terão maior impulso e darão 
os frutos desejados.
3. O interesse pela produção, a disponibilidade de alimentos e o acesso a eles, as 
mudanças climáticas, o comércio agrícola, devem certamente inspirar regras e 
medidas técnicas, mas a primeira preocupação deve ser a própria pessoa, aquelas
 que carecem de alimento cotidiano e que deixaram de pensar na vida, nas relações 
familiares e sociais e lutam apenas pela sobrevivência. O Santo Papa João Paulo II
na inauguração desta sala na Primeira Conferência sobre Nutrição, em 1992, alertou 
a comunidade internacional para o risco do “paradoxo da abundância”: existe comida 
para todos, mas nem todos podem comer, enquanto o desperdício, o descarte, o consumo
 excessivo e o uso de alimentos para outros fins estão sob nossos olhos. Infelizmente, 
este “paradoxo” continua sendo atual. Poucos temas apresentam tantos sofismas como
 os que se relacionam à fome; e poucos assuntos são tão suscetíveis de ser manipulados
 por dados, estatísticas, exigências de segurança nacional, a corrupção ou lamentos 
melancólicos sobre a crise econômica. Este é o primeiro desafio a ser superado.
O segundo desafio que se deve enfrentar é a falta de solidariedade. Nossas sociedades 
se caracterizam por um crescente individualismo e pela fragmentação; isto termina privando
 os mais frágeis de uma vida digna e provocando revoltas contra as instituições. Quando 
falta a solidariedade em um país, todos ressentem. Com efeito, a solidariedade é a atitude
 que torna as pessoas capazes de ir ao encontro do próximo e fundar suas relações 
mútuas neste sentimento de fraternidade que vai além das diferenças e dos limites, e 
encoraja a procurarmos, juntos, o bem comum.
Se tomassem consciência de ser parte responsável do desígnio da Criação, os seres
 humanos seriam capazes de se respeitar reciprocamente, ao invés de combater entre si, 
danificando e empobrecendo o planeta. Também os Estados, concebidos como uma 
comunidade de pessoas e de povos, se fossem exortados a atuar de comum acordo, 
estariam dispostos a ajudar-se uns aos outros, mediante princípios e normas que o 
direito internacional coloca à sua disposição. Uma fonte inesgotável de inspiração é a
 lei natural, inscrita no coração humano, que fala uma linguagem que todos podem 
entender: amor, justiça, paz, elementos inseparáveis entre si. Como as pessoas, também
 os Estados e as instituições internacionais são chamadas a acolher e cultivar estes 
valores, no espírito de diálogo e escuta recíproca. Deste modo, o objetivo de nutrir a
 família humana se torna factível.
4. Cada mulher, homem, criança, idoso, deve poder contar em todas as partes com 
estas garantias. E é dever de todo Estado, atento ao bem-estar de seus cidadãos, subscrevê-las
 sem reservas, e preocupar-se com a sua aplicação. Isto requer perseverança e apoio.
 A Igreja Católica procura oferecer também neste campo sua contribuição, através de uma 
atenção constante à vida dos pobres em todos os lugares do planeta; nesta mesma 
linha se insere o envolvimento ativo da Santa Sé nas organizações internacionais e com 
seus múltiplos documentos e declarações. Pretende-se deste modo contribuir para identificar 
e assumir os critérios que o desenvolvimento de um sistema internacional equânime deve
 cumprir. São critérios que, no plano ético, se baseiam em pilares como a verdade, a liberdade, 
a justiça e a solidariedade; ao mesmo tempo, no campo jurídico, estes mesmos critérios
 incluem a relação entre o direito à alimentação e o direito à vida e a uma existência digna, 
o direito a ser protegidos pela lei, nem sempre próxima à realidade de quem passa fome,
 e a obrigação moral de partilhar a riqueza econômica do mundo.
Se se crê no princípio da unidade da família humana, fundado na paternidade de Deus Criador
e na fraternidade dos seres humanos, nenhuma forma de pressão política ou econômica 
que se sirva da disponibilidade de alimentos pode ser aceitável. Mas, acima de tudo, nenhum
 sistema de discriminação, de fato ou de direito, vinculado à capacidade de acesso ao 
mercado dos alimentos, deve ser tomado como modelo das ações internacionais que se 
propõem a eliminar a fome.

Ao compartilhar estas reflexões com os senhores, peço ao Todo Poderoso, ao Deus rico 
em misericórdia, que abençoe todos aqueles que, com diferentes responsabilidades, se 
colocam a serviço dos que passam fome e sabem atendê-los com gestos concretos de 
proximidade. Peço também para que a comunidade internacional saiba escutar o chamado
 desta Conferência e o considere uma expressão da comum consciência da humanidade
: dar de comer aos famintos para salvar a vida no planeta. Obrigado.

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