A mulher nas Igrejas.
Sexta, 05 de dezembro de 2014
na desigualdade. Porque, se a desigualdade foi um crime contra
a humanidade, a perda da
diferença também seria uma diminuição da humanidade.
Associação
Oreundici, n. 3, de junho de 2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Uma Igreja masculina
Uma história que virá
Estamos em uma espécie de aurora. Os estudos sobre a mulher na Bíblia e na história
das comunidades
cristãs são uma
novidade recente. Nós somos as testemunhas de uma
experiência que está
começando, um pouco como aconteceu nas primeiras comunidades
cristãs.
Para aquela geração, foi uma novidade tão grande que, depois, ela foi
redimensionada
rapidamente. Era grande demais. Pois bem, a nossa geração está
vivendo algo semelhante:
lentamente, fatigosamente, com muitas contradições –
exatamente como na tradição bíblica
neotestamentária – está se recuperando o
lugar da mulher na Igreja.
São os primeiros grunhidos de uma história que virá, que está chegando.
Todas as iniciativas
que vão nessa direção contribuem para tornar possível,
aprofundar e enraizar na consciência
cristã a vocação da mulher na Igreja.
Subdivido a minha exposição em duas partes: na primeira, vou dizer em quais âmbitos a
mulher
operava na comunidade
cristã nascente; na segunda, vou dizer como progressivamente
a mulher foi marginalizada, de
quase todas as funções, até se tornar o "proletariado do
cristianismo". Tal como na sociedade industrial do século XIX o proletariado levava as coisas
para a frente, as mulheres levam a Igreja para a frente, mas justamente como
proletárias,
isto é, sem poder.
O espírito profético
São quatro os âmbitos em que a
mulher tinha um papel no cristianismo nascente. O primeiro
surge
do relato bíblico do Pentecostes,
segundo o qual o apóstolo Pedro, no discurso da primeira
pregação cristã, cita aquele
versículo profeta Joel onde se diz que Deus, nos
últimos dias,
derramará o seu Espírito sobre todas as pessoas: "Os seus filhos e as suas filhas profetizarão".
O Espírito, portanto, é
derramado sobre toda carne, não se detém diante das diferenças de sexo.
Na Igreja de Corinto
também havia profetizas (1Cor 11, 5). De fato, Paulo não contesta às
mulheres que profetizem, ou seja, que façam discursos inspirados, que rezem de
uma certa
maneira, que anunciem as coisas que devem acontecer etc.
Na mesma Carta
aos Coríntios,
há também a famosa frase "as mulheres fiquem caladas na
assembleia", embora poucos versículos antes o
apóstolo Paulo tinha dito o contrário, ou seja,
que a mulher pode profetizar,
contanto que tenha a cabeça coberta.
Os estudiosos, então,
acreditaram que a frase "que as mulheres fiquem caladas na assembleia"
é uma interpolação posterior para harmonizar o discurso de Paulo
com o que está contido na
Primeira Carta a Timóteo: "Proíbo as
mulheres de profetizarem".
No entanto, o tema agora relevante é que a profecia é um dos âmbitos em
que as mulheres
exerceram um papel, mesmo que, dentro da comunidade cristã – a partir da segunda metade
do
primeiro século –, difunde-se um movimento contrário que tende a reduzir as mulheres
ao silêncio.
Isso explica o que aconteceu no século II, isto é, o nascimento de um
movimento que a Igreja
julgou como herege, o montanismo. O montanismo era um movimento que se
chamava de
"nova
profecia", cujas
figuras centrais eram mulheres:
Priscila, Maximila, Quintila. O movimento
montanista tende a
recuperar a palavra profética das mulheres, justamente enquanto estava
em curso a tendência a
monopolizar a palavra nas figuras do presbítero e do bispo, figuras,
portanto, masculinas. Esse
movimento é julgado como herético justamente porque devolvia a
palavra às
mulheres, bem como por outras razões plausíveis.
O espírito de serviço
Há inúmeras figuras femininas, evocadas pelo apóstolo Paulo nas
suas cartas aos Romanos
(capítulo 16) e aos Filipenses (capítulo 4), que são
chamadas de "minhas
colaboradoras nos
esforços apostólicos, na difusão do Evangelho, na pregação,
na missão".
Na Carta aos
Romanos, chama
a atenção o elevado número de mulheres que hospedavam as
comunidades cristãs
nas suas casas e, consequentemente, desempenhavam funções
ministeriais.
Tudo isso suscita uma grande surpresa em uma sociedade machista, patriarcal,
que não considerava a mulher
nem mesmo como um verdadeiro sujeito.
No Novo Testamento, a diaconia é a categoria que abrange toda a
ministerialidade: e a
qualificação de diácono é a única que Jesus
seguramente se atribuiu, como testemunha o
Evangelho de Lucas (capítulo 22): "Eu estou no meio de vocês
como aquele que serve"
(ou "diakonon", como diácono).
Esse título, no entanto, logo desapareceu, superado pelo de kurios, Senhor, que lhe foi
atribuído justamente por causa da ressurreição. Mas, se Jesus tivesse
sido invocado
não só como Senhor,
mas também como diácono,
provavelmente a história da Igreja
teria sido muito diferente.
Em um livro chamado
de apócrifo, o dos "Atos de Paulo e Tecla", está presente uma
hipotética
discípula de Paulo (estamos no século II, provavelmente). Mesmo que o
personagem
não seja necessariamente histórico, nesses Atos (capítulo 42), Paulo diz a
Tecla:
"Vá e ensine a
palavra de Deus", e Tecla não só ensina a palavra de Deus, mas também
batiza e realiza
curas.
Posteriormente, houve um período em que a mulher desempenhou uma
atividade de
ensinamento em relação às pessoas que queriam se tornar cristãs. A
elas também foi
confiada a tarefa
de instruir as candidatas ao batismo, sob a orientação dos bispos.
Bem cedo, porém, essa
possibilidade foi descartada: já Orígenes rejeitou a obra
catequética das mulheres, e as Constituições Apostólicas (século IV) declaram
solenemente: "Não
permitimos que as mulheres ensinem na Igreja; elas podem
apenas rezar e escutar
o ensinamento de outros".
A caridade das viúvas
As viúvas tiveram um papel
importante na comunidade cristã nascente: a Igreja as organizou,
atribuindo-lhes a tarefa da oração
e das obras de caridade. Essas mulheres, que tinham
superado os 60 anos
de idade e que tinham sido casadas apenas uma vez, dispensavam
obras de
caridade no âmbito da comunidade cristã, suprindo as necessidades dos
apóstolos e dos pregadores
itinerantes e, segundo alguns estudiosos, constituíam uma
espécie de contraparte feminina do presbiterado masculino.
Alguns textos as chamam de "mães da Igreja", assimilando-as ao
presbiterado feminino,
mas, ao longo do tempo, o presbiterado masculino
conotou-se cada vez mais como
sacerdócio, e essas associações de viúvas foram "rebaixadas"
a diaconato, destinadas
a ajudar o bispo,
subordinadas à autoridade
do presbítero. Não constituíam mais um ministério
paralelo, mas sim um ministério submetido ao
presbiterado. Contribuiu para isso o fato de
que, a partir dos séculos IV e
V, a Igreja exaltou cada
vez mais a virgindade, de modo que
o diaconato das virgens tornou-se mais
importante e mais apreciado do que o das viúvas.
Serviços litúrgicos menores
Como os diáconos, as diaconisas também se ocupavam de serviços
litúrgicos menores,
por exemplo, ajudavam as mulheres que queriam ser batizadas
ou crismadas, levavam
a Eucaristia aos doentes, faziam visitas em nome do
bispo.
O fato importante, original, é que as Igrejas do Oriente previam a ordenação das
diaconisas. Com a
imposição das mãos,
o bispo transferia sobre elas o
Espírito Santo, impunha sobre elas a estola e as autorizava a tomar nas suas
próprias mãos o cálice da Eucaristia.
Mas, com o
progressivo desaparecimento do batismo dos adultos, desapareceram
também as
funções desempenhadas por
essas mulheres, de modo que as diaconisas
da comunidade tornaram-se diaconisas dos conventos,
isto é, tornaram-se
freiras.
Dentro do
convento, na Igreja do Oriente, a madre abadessa desempenhava as
funções litúrgicas completas:
lia e explicava a Sagrada Escritura, presidia e distribuía
a Eucaristia.
Quando essa prática difundiu-se em alguns conventos do Ocidente, foi
criticada por diversos
sínodos e foi praticamente apagada. Parece que em algumas
Igrejas
ortodoxas que não compartilharam o dogma de Calcedônia, incluindo a Igreja
Copta do Egito, essa prática ainda está em vigor.
A marginalização da mulher
Como se vê, em todos esses âmbitos, verifica-se a progressiva marginalização da
mulher das
funções ministeriais. Mas por que isso acontece?
As principais razões me parecem ser duas. A primeira é que, na Igreja antiga, a mulher
era
particularmente apreciada nos chamados "movimentos heréticos" e, especialmente,
entre
os seguidores do gnosticismo (em algumas escolas gnósticas, a mulher
podia
até presidir a Eucaristia) e do montanismo, em que a mulher tinha o direito de falar
e de
profetizar.
A Grande Igreja, que se propunha a combater as heresias gnóstica e montanista,
que
reconheciam à mulher um papel importante, devia necessariamente marginalizar
a
mulher, justamente porque o gnosticismo
e o montanismo a valorizavam.
A segunda razão é o peso
de algumas tradições que remontam em parte à Bíblia, em
parte à cultura
greco-romana, em parte
à filosofia, que
desprezavam a mulher,
considerando-a
espiritual e moralmente inferior ao homem, não idônea para revestir
qualquer responsabilidade ou ministério de tipo eclesiástico.
Existem alguns livros
bíblicos têm reiteraram essa visão negativa da mulher: nos
Provérbios, há muitas
páginas sobre a mulher
vista como perigo para o homem: a
mulher é aquela que seduz, que enfeitiça, que desvia do caminho; no Sirácides
[Eclesiástico],
livro deuterocanônico,
mas lido amplamente, por estar incluído na tradução dos Setenta,
a
mulher é apresentada como perigo: "Quem sabe resistir aos seus agrados
sedutores?
Quem sabe
resistir ao fascínio das
mulheres?".
O tabu da sexualidade
Essa visão negativa da mulher foi ainda mais reforçada na consciência
cristã comum
por antigos tabus judeus e pagãos, que viam toda a esfera da
sexualidade como algo
sujo
e pecaminoso, e a mulher, como aquela que encarna a sexualidade.
Nesse quadro, de um lado, emerge a exaltação da virgindade como renúncia
à
sexualidade; de outro, esses tabus são descarregados sobre a mulher, até definir o
matrimônio como "remedium
concupiscentiae", isto é, remédio para a luxúria.
Foram os grandes padres da
Igreja que alimentaram essa sexofobia. Começando
por Agostinho de Hipona,
segundo o qual o pecado
original corresponde, de fato,
ao pecado sexual. A bela maçã nada mais é
do que a mulher. Não só isso: o pecado
original se transmitiria de geração em geração através da
procriação. O ato
sexual
que permite a procriação também é ato pecaminoso, pois transmite o pecado
original.
Mas há mais. Qual é
a culpa da mulher? Ser
um polo de atração para o homem. Como
a mulher que o homem deseja é
bela, a culpa da mulher é
de ser bela. Todas as mulheres
são belas porque todas são desejadas por
alguém. Então, as mulheres têm a própria
culpa de serem mulheres, ou seja, de serem atraentes, de despertar
o desejo, não
só do homem, mas até dos anjos.
Na famosa passagem contada pelo Gênesis (capítulo 6), os filhos de Deus, isto é,
os anjos, veem as
mulheres e descem à terra para as desposarem. Então, Tertuliano
comenta:
"Um rosto tão perigoso como o da mulher, que pôde semear ocasiões de
queda
até no céu, deve ser ofuscado. Por isso, esse rosto, quando está diante de
Deus,
na presença do qual é culpado pela expulsão dos anjos (não foram os anjos
que
pecaram, é a mulher que os provocou, a culpa é sempre dela), se envergonhe
diante
dos outros anjos e reprima aquela liberdade que se demonstrou fatal, que
ela
concedia à sua cabeça (ou seja, à cabeça descoberta), e não o mostre mais,
nem
mesmo aos olhos dos homens". Eis de onde vem o véu, mesmo o dos
islâmicos.
A inferioridade moral e
religiosa da mulher
Tertuliano introduziu no cristianismo a ideia da inferioridade religiosa e moral da
mulher e abriu
caminho para uma hostilidade de inspiração ascética contra as
mulheres, que fez escola com a difusão do
monaquismo.
Resumo esse tema com uma anedota terrível. É uma lenda, mas uma lenda
que
diz muitas verdades. Um certo Tiago de Nisídia, um dia, passava ao lado de
uma
fonte onde havia moças que estavam lavando roupas. Essas moças, vendo o
asceta passar, ousaram levantar os olhos para ele, sem cobrirem o rosto e sem
abaixarem as suas saias, que tinham levantado um pouco, talvez até o tornozelo,
para lavar as roupas. Então, Tiago
amaldiçoou a fonte e as moças: a fonte secou
imediatamente e as moças –
pensem na crueldade – foram transformadas
em velhas decrépitas.
Outro grande teólogo da história ocidental, Anselmo de Aosta, grande defensor
do celibato dos
padres, chamou a mulher de "dulce malum, mors animae".
A mulher é um perigo para
o homem porque o mantém ligado à terra; portanto,
aquele que aspira à
santidade deve evitar até
mesmo a conversa com as mulheres.
Se quiser ser vencedor, deve permanecer longe delas.
Segundo Tomás de
Aquino, "o homem é princípio e fim da mulher, como Deus é
princípio e fim de toda a criação"; portanto, a mulher existe em função do homem.
O seu único fim é a procriação.
Quando o nascituro é uma mulher, Tomás diz que
nasce "aliquid
deficiens et occasionatum", algo deficiente e casual. A inferioridade
da mulher determina a sua subordinação ao
homem.
A exaltação da mulher ideal
E chegamos à Idade
Média. Na Idade
Média, ao desprezo da mulher real, corresponde
a exaltação da mulher ideal:
um exemplo é a Beatriz de Dante, mas
especialmente
Nossa
Senhora em todas as várias manifestações e expressões. A mulher é negada
na terra e
exaltada no céu.
Como criatura celeste, objeto de tantos poemas e de tanta religiosidade,
é privada de
toda conotação sexual: a exaltação da virgindade alcance o seu
ápice, o matrimônio
é bom, mas a virgindade é melhor, como o céu é melhor do
que a terra.
Desse quadro que reprime e nega toda expressão da sexualidade, deriva um eros metafísico,
uma mística erótica abundantemente testemunhada na literatura. A mulher
glorificada,
amado espasmodicamente, invocada, é estranha a qualquer conotação
sexual, razão
pela qual o eros que pode expressar é um eros místico, em que se dissolve o impulso
de libido sexual presente em todo ser humano.
Em conclusão, a mulher
não só é marginalizada da Igreja, mas também da terra; é levada
ao céu, o mais distante possível, de modo a torná-la
totalmente inócua. Não
pode mais
seduzir os homens nem os anjos, porque não é mais mulher.
Uma reforma incompleta
A Reforma: um novo
cristianismo
Globalmente, para a Igreja Católica, a Reforma foi considerada uma desventura,
porque foi atribuída a ela a responsabilidade da divisão da Igreja do
Ocidente – enquanto
nós pensamos que foi a recusa da Reforma que provocou
essa divisão. Mas o problema
não é tanto o de atribuir ou de distribuir as
responsabilidades da divisão da Igreja do
Ocidente, mas sim de entender o que
foi a Reforma.
Pessoalmente, acho que o termo "reforma" é totalmente
insuficiente para expressar aquele
movimento nascido no século XVI e que se
espalhou por toda a Europa, que dividiu a
consciência cristã europeia em
duas, porque deu origem
ao nascimento de um novo
modo de ser cristão.
O protestantismo não é simplesmente um catolicismo reformado, é algo
diferente e
às
comunidades de base latino-americanas: a categoria de "eclesiogênese".
Segundo o teólogo da libertação, com as comunidades de base sul-americanas,
nasceu um novo modelo de Igreja, um novo tipo
de comunidade cristã. Pois bem,
eu acredito que essa noção também é
apropriada para descrever o que foi a Reforma.
A intenção original certamente era a de reformar a Igreja tradicional:
há documentos
absolutamente indiscutíveis a esse respeito. O monge Lutero nem
falava de
reforma, ele dizia: "Eu não sou um reformador, o único
reformador da Igreja é
Jesus Cristo". Portanto, para ele, a
categoria de reforma também era excessiva,
ele se contentava em melhorar a
condição do cristianismo do seu tempo.
Se o projeto original efetivamente era uma coisa muito modesta, ao não
ter sido
acolhido, deu origem a algo diferente do que queria ser no início.
Tornou-se uma
nova forma de Igreja, seja na organização interna, seja na
compreensão da relação
com Deus, seja na compreensão da relação com a sociedade
e com a história.
Teoricamente, a Reforma Protestante poderia ter modificado substancialmente
o
lugar da mulher na Igreja, mas, praticamente, isso aconteceu só em parte. Por que,
teoricamente, a Reforma
poderia ter modificado substancialmente a posição da
mulher na Igreja? Os
motivos são quatro.
1. A exaltação do
matrimônio
Na Idade Média, a
virgindade, a castidade, os celibatos eram considerados condições
moral e
espiritualmente superiores àquelas de quem praticava a sexualidade, mesmo
no
matrimônio. A Reforma reverteu esse juízo, reabilitando o
matrimônio, pondo-o acima
de qualquer outra condição humana. Naturalmente,
reabilitar o matrimônio também
significava reabilitar a mulher, não mais virgem, mas casada.
Nenhum teólogo antes de Lutero havia exaltado tanto o matrimônio,
mesmo que ele
tenha se casado tarde. Na realidade, ele não queria se casar, mas
os seus amigos
começaram a lhe dizer: "Você fala tanto em favor do
matrimônio, mas não se casa,
você está em contradição consigo mesmo".
Assim, no fim, ele se casou com Catarina.
Mesmo sendo agostiniano, Lutero dizia que o matrimônio não é
"remedium
concupiscentiae", mas sim uma obra e um ordenamento de Deus: aos
olhos
de Deus, não há nenhuma condição mais alta do que a conjugal. A condição
conjugal é superior à
do príncipe, à do bispo, a qualquer outra condição humana.
Deus ama o casal mais do que o homem individual, porque Ele criou o
casal, não o
homem individual. E o homem não realiza
plenamente a sua humanidade sem a mulher,
assim como a mulher não
realiza plenamente a sua humanidade sem o homem.
Isto é, apenas no casal, a
humanidade se realiza plenamente: onde "casal" não significa
necessariamente marido-mulher, mas humanidade masculina-humanidade feminina.
Todo ser humano é apenas uma parte de humanidade; nem o homem nem a mulher
sozinhos podem realizar a
plenitude do humano. Esse
é o conceito, muito belo, muito
profundo, muito moderno.
Na medida em que o matrimônio é valorizado, também é valorizada a mulher, que não
é mais vista
como perigo, ameaça,
tentação, vínculo terrestre que impede o homem de
se elevar ao céu. A mulher não é mais um mal
necessário – mal por ser mulher,
necessário porque a procriação é
indispensável para a preservação da vida. A mulher
é um bem, uma bênção de Deus, uma criatura de Deus, não um
obstáculo para a salvação.
No entanto, a mulher continua subordinada ao homem. Apesar desse máximo
elogio
do casal matrimonial, a mulher ainda está submetida ao homem, nas várias
modalidades
em que isso pode acontecer. A mulher casada é valorizada ao máximo,
mas não
emancipado da submissão ao homem.
2. Não mais
conventos, mas escolas
A Reforma suprimiu
todos os conventos, transformando-os
em escolas públicas para
meninos e meninas. Ao fazer isso, pôs em
liberdade, se quisermos usar essa expressão,
um grande número de freiras. Essa
liberdade nem sempre foi bem-vinda, porque
sair de um convento fechado de
autoridade era uma imposição que deixava muitas
moças em dificuldade.
De fato, o convento
era também um lugar de relativa autonomia da mulher, um lugar
em que ela
estava isenta da dominação masculina, do pai ou do marido e,
portanto,
de uma certa subserviência. A supressão dos mosteiros, sobretudo
femininos, nem
sempre foi acompanhada por gritos de júbilo por parte das
mulheres, que, em muitas
circunstâncias, teriam preferido ficar onde estavam.
A razão última da supressão dos conventos, no entanto, não era a de
libertar as mulheres
ou os homens da sua condição de monges ou de freiras, mas
era a consequência
de uma visão do cristianismo própria da Reforma: ou
seja, existe uma única condição
cristã comum a todos. E cada um deve viver na
cidade, na comunidade, no mundo, e
não em um lugar protegido e apartado como o
convento, que assegurava, de algum
modo, proteção e garantias.
3. A crítica do
celibato obrigatório
A terceira razão é a crítica à lei do celibato e da condição de
virgindade. Naturalmente,
não é o celibato em si que é criticado, mas a imposição ao ministro de ser célibe.
Essa
imposição é criticada no sentido de que o celibato, mesmo na Sagrada
Escritura
(cf. Carta aos
Coríntios), é previsto como uma possibilidade, mas uma possibilidade
livre.
A outra ideia que leva a Reforma nessa direção é a luta contra a ideia
do "mérito", ou
seja, a ideia segundo a qual a condição de celibato
ou de virgindade é merecedora
de uma graça e de uma posição particular em
relação a Deus. A ideia do mérito é
uma das grandes ideias combatidas pela Reforma
Protestante para afirmar a
completa gratuidade da graça e da salvação.
4. O sacerdócio
universal
O quarto motivo pelo qual a Reforma poderia ter modificado a
condição da mulher
é a afirmação do sacerdócio universal
dos crentes, segundo a qual todos os
batizados são sacerdotes. Essa afirmação de Lutero,
de difícil realização, foi
uma das bandeiras da Reforma.
Todo batizado, diz Lutero, é sacerdote, bispo e papa. Isto é, o
batismo fornece
a cada cristão a base teológica e espiritual de toda a
ministerialidade da Igreja:
o batizado, como tal, está credenciado e habilitado
a exercer qualquer ministério
na Igreja.
Sobre esse ponto, no entanto, a Reforma não foi fiel a si mesma,
porque a mulher
sempre foi batizada em todas as Igrejas, portanto,
potencialmente é ministra, mas,
de fato, em nenhuma Igreja da Reforma a mulher
ocupou uma posição de ministro,
nem em nível pastoral, nem em nível diaconal,
nem em nível litúrgico, nem em nível
catequético. É uma grande contradição que
a Reforma não foi capaz de superar.
A ministerialidade permaneceu firmemente
nas mãos dos homens.
Mulheres mártires e
pregadoras
Enquanto isso, em posições marginais, nasceram duas figuras femininas
que
ocuparam um certo papel na história das Igrejas evangélicas.
A primeira é a mulher
mártir, porque as guerras religiosas com as perseguições
causaram muitos
mártires da fé evangélica. Há um livro sobre a história dos
mártires da fé
evangélica que conta 664 mártires, dos quais 56 são
mulheres (cerca de 10%).
Nesses relatos, reemerge uma característica tradicional do martírio
feminino na
Igreja primitiva, isto é, a ideia das núpcias com Cristo
seladas pelo martírio.
O livro do Apocalipse fala das núpcias do Cordeiro, referidas à Igreja, em
particular
à Igreja perseguida e mártir: essa representação do martírio como
momento de
máxima comunhão com o Senhor está presente nos relatos de algumas
dessas
mulheres mártires.
A segunda figura de mulher que aparece sobretudo nos momentos de crise é
a
mulher que prega, a mulher
pregadora. Por exemplo, em 1685 na França, foi
revogado o Édito
de Nantes, que havia permitido que o protestantismo francês sobrevivesse.
Na sequência dessa revogação por parte de Luís XIV, o
protestantismo francês fo
i objeto de uma grande perseguição, e todos os
pastores foram exilados ou
encarcerados. Diversas testemunhas afirmam que, na
ausência de pastores
pregadores, uns certos números de mulheres começaram a
pregar. Muitas
dessas mulheres eram jovens e simples moças que as
circunstâncias tinham
tornado capazes de profetizar.
As esposas dos pastores
Há uma terceira figura que se encaixa nesse quadro, a esposa do pastor.
O pastor, o padre casado, no Ocidente, era uma figura completamente
nova, e as
esposas dos pastores desempenharam um papel pouco conhecido, pouco
descrito,
em grande parte ignorado, mas realmente vivido.
Muitas vezes, as mulheres foram reconhecidas de fato (não juridicamente)
pela
comunidade como um segundo pastor e desempenharam papéis de grandíssimo
valor e significado. Anteciparam o pastorado feminino, exceto para a pregação.
O papel de pregadoras foi desempenhado pelas mulheres na Alemanha
nazista,
porque a Alemanha nazista perseguiu uma parte da Igreja Evangélica
(a que é
chamada de Igreja Confessante), e muitos pastores foram
internados nos campos
de concentração ou presos. As suas esposas, então, os
substituíram na pregação
do púlpito. É um fato pouco conhecido, mas
extremamente significativo.
Como se vê, sempre se trata de emergências, de situações excepcionais:
em situações
normais, as mulheres ainda eram excluídas do ministério.
Mundo católico: as mulheres se
defendem
No mundo católico, com a Contrarreforma, desaparece a
característica que o
monaquismo tivera na época antiga e medieval, ou seja, a
subdivisão das ordens
em masculinas e femininas, na observância da mesma regra.
De Bento de Núrsia a Francisco e Clara, tinha sido
assim. A esse respeito, deve-se
dizer que Francisco e o franciscanismo inovaram
profundamente a tradição monástica,
mas não criaram nada de realmente novo em
relação às mulheres, tanto que as
clarissas continuaram observando a clausura
tradicional.
Com a Contrarreforma, foram fundadas muitas novas ordens, mas
desapareceu o
modelo bipolar que caracterizara o monaquismo antigo e medieval.
Nesse sentido,
vale o clássico exemplo dos jesuítas: não existem "as jesuítas".
Pode-se bem entender
o significado, muito profundo, dessa falta, que significa
que o homem subsiste por si
só,
sem a necessidade
de ter a mulher do lado. É um modo radicalmente diferente de
conceber a própria humanidade.
Esse fenômeno permanece até o século XX, quando retorna a bipolaridade
e das
irmãzinhas.
O segundo fenômeno que se registra no mundo católico é um extraordinário
florescimento de
ordens e institutos religiosos
femininos. Um fato incrível, excepcional.
Evidentemente, essa multiplicação também foi um modo para
se isentar
da dominação masculina.
Mundo protestante: espaços minoritários
No mundo
protestante moderno, assinalarei três fenômenos importantes.
O primeiro
se verifica em alguns grupos marginais do protestantismo, nascidos
ao lado das
grandes Igrejas reformadas luteranas norte-americanas.
Neles, a mulher recupera o direito de falar em público e de pregar. A
primeira
comunidade que deu a palavra às mulheres na assembleia foram os quakers,
a chamada "Sociedade dos Amigos", em cujo âmbito a mulher pode
tomar
a palavra, rezar, anunciar, pregar.
O segundo fato, bastante singular, é o nascimento, em âmbito
protestante, no
século XIX, do diaconato feminino: são criadas as chamadas diaconisas, que
são a
contrapartida protestante das freiras católicas.
Elas têm o seu próprio vestido, fazem os votos de castidade, de vida
comum,
de obediência, de serviço e de pobreza, e desempenham um papel
fundamental
nos hospitais e em todas as atividades de caridade.
Essa instituição, hoje, está em declínio, e não acho que vai sobreviver
por muito
tempo, mas desempenhou um papel muito relevante na história do
protestantismo.
Por fim, no século XX, realiza-se o pastorado feminino, isto é, a
atribuição à mulher
do principal ministério próprio das Igrejas protestantes.
Do pastorado feminino, também se passou para o episcopado, seja nas Igrejas
luteranas, seja na Igreja
Anglicana.
Embora esse fenômeno tenha provocado
profundas dilacerações, sobretudo no
anglicanismo, continua sendo um fato já
adquirido, do qual dificilmente se
poderá voltar atrás.
Na prática, foi alcançada a
equiparação da mulher ao homem no acesso a qualquer
ministério dentro da Igreja. Deve-se especificar que não se trata de uma aquisição
geral em todo o
protestantismo, ao contrário, há Igrejas de tipo fundamentalista
que não
reconhecem o pastorado feminino e o combatem em seu interior.
Na aurora de uma história nova
Essa é a história que temos às nossas costas. Eu diria que a pré-história acabou:
toda a
história da marginalização da mulher, a história que, de um modo ou de outro,
submete a mulher ao homem, privando-a das possibilidades que pertencem ao
humano, além de, obviamente, ao cristão, se encaixa na pré-história.
Hoje, estamos na aurora
de uma história que ainda deve ser escrita.
Considero bastante dramático
que o acesso da mulher à ministerialidade ainda
seja largamente minoritária no
cristianismo. Toda a ortodoxia é contrária, quase
todo o catolicismo é
contrário, e uma parte do protestantismo, o de tipo
fundamentalista, é
contrário.
A pré-história, infelizmente,
ainda não está concluída. No entanto, acredito que,
objetivamente, ela está às nossas costas, e, justamente porque estamos na
aurora de tempos
novos, será preciso repensar, refletir, meditar novamente sobre
a relação
homem-mulher, que deverá ser revivida em profundidade.
Talvez, o grande problema – se quisermos chamá-lo de problema – seja
como
conseguir manter a diferença homem-mulher sem cair na desigualdade.
Porque,
se a desigualdade
foi um crime contra a humanidade, a perda da diferença
também seria uma
diminuição da humanidade.
Portanto, nada é fácil, mas é bonito se aventurar nessa redescoberta de
nós
mesmos, começando pelo fato de que Deus criou o casal, isto é, que,
na
humanidade, antes da diferença sexual, há a alteridade: o outro humano.
O aspecto
fundamental é reconhecer que você não é você mesmo sozinho, mas
sempre com o
outro que Deus criou junto com você. Com base nessa pertença
comum ao humano, acredito que a
compreensão do valor das diferenças será
Artigo de Paolo Ricca
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