Chove? Nenhuma chuva cai...
Então onde é que
eu sinto um dia
Em que o ruído da chuva atrai
A minha inútil
agonia?
Onde é que chove, que eu o ouço?
Onde é que é triste, ó claro
céu?
eu quero sorrir-te, e não posso,
Ó céu azul, chamar-te de
meu...
E o escuro ruído da chuva
É constante em meu pensamento.
Meu
ser é a invisível curva
Traçada pelo som do vento...
E eis que ante o
sol e o azul do dia,
Como se a hora me estorvasse,
Eu sofro... E a luz e a
sua alegria
Cai aos meus pés como um disfarce.
Ah, na minha alma
sempre chove.
Há sempre escuro dentro de mim.
Se escuto, alguém dentro de
mim ouve
A chuva, como a voz de um fim...
Fernando Pessoa
Passo pelo centro de São Paulo chuvoso, com as pessoas olhando para si mesmas, e não aos outros.
Apressadas, protegem-se da chuva e dos pobres.
Miseráveis, abandonados da Dispersão da Cracolândia, perambulam cabeça baixa, passos sem rumo, por toda a região central.
Não acreditam mais em si. Tinham no crack a oportunidade de buscarem o engano, a fuga, satisfação ao desprezo pessoal e público.
Queriam família, queriam esposas e filhos, queriam quem lhes oferecesse estrutura.
Queriam talvez o Estado, o Grande Ausente, o totem, o monolito, a referência onde se agarrassem, para resistir à dependência.
Mas não, veio a polícia, a violência, a triagem, a desconfiança, a perseguição.
Agora não há túneis, ou esconderijos de viadutos. Agora não há a 25 de março do vício.
Agora há uma mídia, e uma classe produtiva dispostas a eliminar os fétidos, os sujos, os despossuídos.
Oportunidade de ouro para lavar as ruas, como se tivessem solucionado tudo. Porque quem não tem esperança em si mesmo, é incapaz de ter esperança pelos outros
Entretanto, muitos não tem solução. Com distúrbios psiquiátricos avançados perderam a visão, o equilíbrio, a disposição.
Entronizados em seus sonhos, encarnam a transformação, mudam de identidade.
São Bob Marleys, pastores, empresários.
Quando não, assumem a pobreza em sua inteireza, e de lá decidem não sair, não crêem na sociedade
A chuva continua a cair na cidade. O mundo ocupado esquiva-se e vai às compras, ao trabalho.
O mundo real permanece com as mãos abertas, e palavras inaudíveis, por se dizer.
Ah, na minha alma sempre chove.
Há sempre escuro dentro de mim.
Vejo assim o homem da droga.
Injetado, rejeitado, deslocado, desmoralizado,.
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