É meio estranho falar em limites para a liberdade.
Parece uma ambigüidade difícil de se aceitar.
Parece uma ambigüidade difícil de se aceitar.
Porque a liberdade tende para o absoluto.
Mas isto seria uma visão por demais idealista.
O correto seria entender a liberdade possível, copiando os conceitos de Lucien Goldman para a consciência. Feitas as devidas correções, pode-se fazer este comparativo, isto é, há uma liberdade possível, dentro de certo contexto histórico-social, a liberdade da classe dominante, que ela vê como a que deve existir.
Se a classe dominante é a burguesia, a liberdade estará a serviço destes interesses, se for um governo socialista, a liberdade estará moldada em outra fôrma.
No livro de Gênesis 2,16-17 , Deus diz disse ao homem: "Podes comer de todas as árvores do jardim. Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás, porque no dia em que dela comeres terás de morrer".
Como se vê, no primeiro livro da Bíblia, Deus dá a liberdade ao homem de se alimentar de todas as árvores, mas condiciona a evitar uma árvore. Isto quer dizer que, o conceito de liberdade passa pela escolha, que ultrapassa o desejo de quem a concede, que, entretanto, lhe mostra os riscos, de se ultrapassar estes limites.
Implica num aguardo pela escolha certa, vamos dizer assim, pelo bem, mas não cerceia, caso a escolha seja pelo mal, que inevitavelmente trará consequências ruins.
Muito bem, vejo que ambos os conceitos têm suas coincidências, não havendo, portanto, uma discussão maior neste ponto: há uma liberdade, e há um limite para além do qual acontecerão consequências.
Quais são as práticas religiosas que podem estar dentro de um universo de liberdade?
A prática de culto é uma delas.
Ter liberdade de possuir um local, e para lá se dirigir para fazer fazer a adoração ou meditação, e o culto litúrgico como um todo, que no caso cristão envolve um calendário de atividades, como a reflexão da palavra, as oferendas, a eucaristia ou santa ceia), ou outras formas de liturgias judaicas, islamitas, budistas, induístas, etc, e até mesmo das seitas que não possuem liturgias claramente definidas e que estão em formação.
Esta prática de culto pode confrontar-se com o Estado democrático?
Creio que sim, quando na celebração da palavra,se faz paralelos com a realidade da vida do país, e não se atém exclusivamente à sua doutrina.
Para o Estado Laico, seja democrático, seja totalitário, é desejável existir uma Igreja doméstica, que não generalize sua doutrina para além da realidade particular e familiar.
O caso brasileiro permite a qualquer um alugar uma garagem e iniciar uma igreja, e passar a fazer o que quiser à partir daí.
O problema começa quando o som fica muito alto e a vizinhança reclama. Só aí é que o Estado intervém. Convenhamos que é um problema menor, dentro de um ponto de vista mais político.
Mas temos casos diferentes, como em Angola, onde para se abrir um igreja é preciso que se mostre um número significativo de fiéis que justifique aquela inauguração. Lá não é casa de dona Maria Joana, que cada um pode chegar e ir montando sua barraquinha.
Ocorre que as doutrinas não são proclamadas só na sua dimensão literal, mas é natural que sejam feitas relações desta doutrina com as realidades atuais que a cercam, uns buscando ais abrangência de análise, outros sendo mais pontuais.
Os fiéis, dentro desta perspectiva, participam de uma formação religiosa mais ou menos vinculada à sua história particular, à história de sua região, sua cidade, seu país, e porque não dizer, o mundo, dependendo de como cada igreja explora esta dimensão.
Às vezes, estas pregações se confrontam com as políticas do Estado democrático, às vezes não.
Pressupõe-se que deva haver uma identidade, uma convivência ética entre governantes e fiéis, que dá maior ou menor concordância ou rompimento com o que acontece no Estado e nas igrejas, seja em caso de corrupção no governo, ou em qualquer forma de abuso moral de sacerdotes ou pastores.
Não pertence ao Estado democrático intervir na forma de organização interna das igrejas, nem na forma de culto que estas realizam, a não ser que esta forma de organização ponha em risco a existência do Estado democrático.
É o caso do não reconhecimento de lideranças de igrejas, e a sua substituição por estruturas que o estado escolhe, adaptadas ao seu gosto.
O inverso é também verdadeiro, não devendo as igrejas desejarem se apossar do Estado para transformá-lo em instrumento de seus interesses e de seus seguidores, uma vez que o estado é multireligioso, e à princípio, defensor das minorias religiosas.
O fundamentalismo, doutrinas que se apegam literalmente ao que está escrito, está neste limite, de desejar ocupar o estado para impor sua visão unilateral de crença.
Há uma outra dimensão religiosa que tem suas relações com o estado democrático: a dimensão das missões, ou seja, das pessoas que se lançam em pregações pelo território do país, com o objetivo de atrair o maior número de fiéis possível, para sua igreja.
Nesta área não existem muitas regras definidas, pois a diversidade religiosa pode fazer colidir ou não, o papel destas missões com o estado democrático.
Por exemplo, a conversão das sociedades tribais ao cristianismo, de um ponto de vista contemporâneo, antropológico, onde deva ser respeitada esta religiosidade, observamos que hoje que alguns grupos evangélicos tem a mesma prática dos jesuítas no século XVI, forçando "conversões" e desestruturando o indivíduo, e as sociedades.
Os estudos de estruturalismo de Levi Strauss mostram como é fácil destruir um grupo indígena, ao destruir sua espiritualidade, substituindo-a por outra, alienígena.
Em termos contemporâneos, hoje, uma conversão que poderíamos chamar de justa, deve respeitar a atual crença do indivíduo, e vencer pela solidariedade ao outro, e pelo convencimento, muito mais pelo exemplo que pelas palavras, e de forma não traumáticas, que levem s separação dos familiares, e dos membros da organização.
Faço esta ressalva, porque penso que, neste aspecto o estado deve intervir para disciplinar a presença de grupos religiosos em determinadas comunidades.
Dentro do espírito missionário, atualmente, com os estudos trazidos pela antropologia, deve-se respeitar a espiritualidade do abordado, e permitindo a este que, em liberdade, possa fazer uma escolha independente, o que não está ocorrendo, devido a disputa das igrejas pelos fiéis.
Isto deve existir, seja numa sociedade tribal, seja sobre o leito de um enfermo, que não pode sair e rejeitar, e é obrigado a ouvir o proselitismo que não quer.
O Estado democrático deve regular melhor esta intervenção impositora de certas crenças. Porque a liberdade está em primeiro lugar.
Continuarei em outro momento, porque o assunto é vasto
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