O imponderável:onde a ciência e a gestão não alcançam

Trata-se de um tema de difícil abordagem e de difícil aceitação, o fato de que, sim, temos limites no conhecimento científico, principalmente no que tange ao domínio sobre a natureza, mas também nos fenômenos sociais, ainda que tenhamos avançado nestas áreas.

Lógico que estes limites são constantemente expandidos por novas descobertas e domínios de fenômenos, conforme sejam colocadas interrogações ou problemas que desafiem a sobrevivência do homem.

E isto é bom, porque o progresso vai acontecendo.

Não há uma linearidade, mas conflitos e bruscas interrupções, ou crises, que levam a ciência adiante, na busca de respostas ou explicações ou soluções para tudo o que acontece.

Estabelecem-se paradigmas, e quebram-se paradigmas. Difícil a ciência avançar de outra forma.

Na ponta da linha está a gestão do homem sobre a natureza, utilizando-se daqueles conhecimentos alcançados, para lhe ajudar a resolver, aquelas dificuldades que se colocam diante de si.

Ocorre que a previsibilidade, o planejamento da gestão, desde a pública até a privada, estão sujeitas igualmente a estes limites, onde o horizonte do conhecimento ainda não vislumbra as ações da natureza, seja ela física, econômica ou social.

É o que chamamos de imponderabilidade.

Foram feitos estudos sobre os riscos de desastres na região serrana do Rio, pela geógrafa Luiza Coelho, a pedido do Governo do Rio, que identificou áreas vulneráveis, mas não detalhava os pontos exatos de risco. 

Um estudo que chega a uma conclusão óbvia do risco mas não aponta os locais prováveis, em nada ajuda numa política de prevenção de riscos para a região. Concordam?

Que ação pode o governo estadual do Rio de Janeiro implementar, diante de uma relatório que não especifica os eventuais lugares de risco?

Sobra para a gestão pública apenas a política de evacuação do local, aqui entendida toda uma cidade, porque se não há definição de áreas de risco, de onde tirar a população, e para onde levá-la?

Estamos assim, diante do imponderável.

A ciência poderá mapear melhor os ambientes de risco, analisar melhor as possibilidades, mas temos que admitir que o conhecimento possível foi oferecido ao governo do Rio, mas pouco adiantou em termos de ações preventivas.

A complexidade da situação é ainda maior.

Há uma irracionalidade na racionalidade, constantes  na vida pública.

Demarcam-se áreas onde estão os riscos, mas não impedem as ocupações irregulares, a ponto de Dilma afirmar em sua visita à região que as ocupações irregulares eram a regra e não a exceção.

Na vida privada igualmente.

Constroem um edifício, onde antes eram algumas residências, e não calculam o impacto desta edificação nas redes de água e esgotos, no fluxo de trânsito, etc, etc....

Caminha-se até onde o conhecimento chega, e deixa-se de fora o inesperado, que virá.

Em sã conscìência, é possível admitir que o governo do Rio conseguisse deslocar grandes contingentes populacionais destas cidades antes de alguma catástrofe, porque havia o risco de uma catástrofe, que ninguém imaginaria como seria e onde atingiria?

O governo provavelmente seria taxado de louco varrido, e o projeto engavetado.

Lembro-me de Pol Pot, líder do Kmer vermelho, que deslocou grande parte da população urbana do Camboja para o campo, quando esteve no poder. Acabou isolado e foi derrotado. Talvez sua análise estivesse correta, mas a aceitação.. e só conseguiu este feito devido ao poder que possuía.

A realidade do Rio de Janeiro com Sérgio Cabral é bem diferente.

Duvido que se fizesse, e ponho em dúvida hoje que se façam mudanças deste tipo na região.

Por diversas razões. O volume dos recursos  seria imenso, e envolveria toda uma ginástica de construções e deslocamentos programados.

Quem trabalha na área de segurança do trabalho, é voltado sempre para ações preventivas. Mas às vezes , os inspetores de segurança retiram uma frase da anti-administração, as famosas leis de Murphy: "Uma política de prevenção de acidentes só ocorre depois de um grande acidente". Porque reconhece-se que poucos são os que desejam, sinceramente, erradicar um problema, até que, infelizmente, ele ocorra.

São ações impopulares, para quem não vê a possibilidade da morte.

Agora, depois da catástrofe, buscam-se os culpados, porque existem.

Mas é preciso admitir que as soluções seriam um remédio que ninguém gostaria de tomar: deixar sua casa bela e bem localizada, na montanha, com boa vista da natureza, e ir para outro mais seguro, mas menos agradável, provalvelmente.

Isto explica, mas não justifica, porque não se justificam mortes por ineficiência. Apenas se explica.

Vamos caminhar agora para um lado mais político-ambiental da questão.

Há uma responsabilidade compartilhada nesta catástrofe?

Creio que sim, a começar por todos os níveis governamentais, onde os mais próximos do evento serão os mais responsáveis, isto é o poder municipal (depois o estadual e o federal). Responsabilidade compartilhada proporcional.

Há responsabilidade principalmente na má gestão pública do dia a dia, onde foram sendo concedidas ocupações em regiões de risco, e também dos ocupantes por aceitarem se estabelecer nestas condições de risco.

E o acidente, ele é apenas resultado da ação da natureza, ou é, acima de tudo resultado da ação predadora do homem na natureza, que vai se transformando cada vez mais em resposta a estas destruições?

Estudos mostram que as grandes tempestades que estão ocorrendo em São Paulo, nunca ocorreram até os anos de 1950. 

É`a partir desta data que estes fenômenos ocorrem cada vez com mais frequência.

É a natureza respondendo ao homem, a irracionalidade da destruição que ele provoca.

E vai aumentar, pois o homem não consegue controlar seu ímpeto de dominação da natureza a qualquer custo.

Há um lado espiritual na explicação disto tudo?

Posso afirmar com segurança, que os governantes saíram menos soberbos desta refrega, talvez um pouco mais humildes, certamente, não por vontade própria.

Talvez esta humildade abra alguma janela para repensar a vida em novas dimensões.

Fico por aqui.

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