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Fazer memória do passado é marcar presença no presente.


Estes dias deu na cabeça de relembrar o meu passado, com seus altos e baixos.

Não quero voltar ao passado com nenhum outro intúito senão o de mostrar um pouco da História dos anos de chumbo.

Não foi um período de paz, como hoje, mas de confrontos, desconfianças de pessoas infiltradas no movimento popular, traições.

Concomitantemente, foi um tempo de vida social estável, das famílias, dos bairros, dos grupos de jovens que se reuniam aos sábados à noite nas casas, principalmente das meninas, onde ocorriam "bailinhos".

A ditadura era vista com silêncio geral. Ninguém comentava em alta voz. A vida de trabalho na cidade de São Paulo parecia correr normalmente, com seus horários.

Esta paz dos cemitérios foi rompida abruptamente com a morte de Edson Luiz, estudante do Rio de Janeiro, em uma repressão que ocorreu no restaurante calabouço.

A repercussão da morte de Edson Luiz provocou uma revolta estudantil em São Paulo. Eu estudava contabilidade no Colégio Alvares Penteado, no Largo de São Francisco.

Quando do assassinato de Edson Luiz, os estudantes de Direito do Largo pararam um camihão de tijolos, que passava pela frente, descarregaram os tijolos na entrada da Faculdade fazendo um muro, e declararam a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco como "território livre".

Organizaram uma passeata, junto a outras faculdades, e saíram do largo de São Francisco em direção ao Largo do Paissandú. A "palavra de ordem" era "Mataram um estudante! Podia ser seu filho!".

Isto provocou uma verdadeira chuva de papel picado caindo de todos os prédios. Aquilo que todos imaginávamos, que havia uma insensibilidade social  para a resistência política à ditadura, de uma hora para outra, revelou o contrário.

Grande era a aceitação da população ao movimento estudantil.

Aquela passeata, ao sair do Largo do São Francisco, provocou a minha primeira adesão ao movimento popular.

Ali, começava a minha despedida de um tipo de vida e o início a uma nova compreensão de minha realidade no Brasil e no mundo.

Era uma nova vertente, que descortinou um novo caminho para minha vida.

O fato de ter descoberto que existe um arquivo do Deops com minha ficha, acabou detonando estes artigos.

Quero lembrar que o Brasil de hoje é diferente. É livre, em termos. Carregamos ainda as marcas daquele passado, em muitos aspectos da vida atual.

Por isso nunca é tarde para se dizer que aquela luta, aquele sangue escorrido lá atrás, de certa forma continua a escorrer hoje, ainda que muitos não consigam ver assim.

É como se muitos verdadeiros heróis que foram ficando com o tempo estivessem a nos assaltar os sonhos pela noite, questionando-nos das nossas rotinas, de nossos desperdícios de tempo.

Clamando, no escuro e no silêncio da noite o desejo de construir um mausoléu em nosso coração tão esquecido.

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