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O MORIBUNDO DO TABOÃO


Estive hoje visitando um moribundo, na cidade do Taboão, por insistência de outro amigo, que afirmou-me que este estava já com a passagem comprada para o além. Amém!

Pediu-me que o acompanhasse, e fosse tocar violão ao lado de sua cama, pois acreditava que, ao estar sem reações e imóvel, ao ouvir a música e as canções...enfim, se algo pudesse ainda penetrar em seu inconsciente, seria através de cânticos e orações.

Assenti ao seu pedido e fomos. É um senhor de 90 anos, italiano, que viveu a vida toda na Região do Taboão. Participou muito em sua paróquia, de Santa terezinha, mas agora, na alta velhice, quem participa de seu finalmente? Poucos, muito poucos.

Reflito sobre a insensibilidade humana. Uma visita destas não seria um alto espírito socialista? Ou um alto espírito cristão? Ou religioso, seja de que religião for? Ou sismplesmente um espírito solidário?

Lembro-me dos anos de chumbo, quando fui, às escondidas assistir ao filme "Balada para um soldado", do realismo soviético, onde um soldado obtém uma pequena folga do front de batalha contra os nazi, e vai se defrontando com toda espécie de problemas e desvios de formação na sociedade russa da época, posicionando-se ante cada um destes. Eram casos de adultérios, roubos, abandonos. Por fim, ao chegar em casa, para rever os seus, só teve o tempo de consertar o teto e voltar ao front, para morrer.

Não será esta a nossa balada? Não estamos também num front, que deve ser temporariamente ignorado, para darmos conta da construção do novo humem?

Ao cantar para o moribundo, que nem sequer falava ou via, notei, que uma lágrima vertia de seu olho esquerdo. Agradeci a Deus a oportunidade por fazer algo que não gera salário, ou dinheiro, muito ao contrário, parece inútil e desnecessário. Não importa, uma alegria silenciosa aumentou em mim gratuitamente, respingo de graça.

Quantos moribundos não habitam em nós, que se recusam a olhar e se negam a ouvir, que esperam a morte, e não se dão conta da vida. O moribundo que visitei se justifica; seu sofrimento compõe um mistério de purificação que foge à minha compreensão.

Mas o moribundo  que tudo tem e foge do mundo, da verdade, que não se posiciona diante dos problemas da vida, que não defende seu povo, este é deplorável.

Merece a maior de nossa piedade, e nos deixam igualmente revoltados com suas ausências.

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